As drogas que escrevo

    Naquela noite algo mudou dentro de mim, você agiu violentamente, impulsivo e me deixou sozinha olhando para as paredes, tempo o suficiente para analisar toda a situação em que eu havia me metido. Estava assim tão sozinha que só me restava escrever, é o que eu sei fazer pois preciso de um ombro amigo as vezes, acho que e você entende o sentimento de precisar explodir e desabafar com alguém fica extremamente difícil nessas horas. Sempre fui o tipo de pessoa que não gosta de incomodar, desde criança era atenciosa, calada, meiga o bastante para guardar meus problemas só para mim. Então eu cresci desengonçada e introvertida, com um grande potencial para coisas grandes mas sempre desperdiçado, esse hábito de guardar sentimentos me trouxe a necessidade de me expor de alguma forma, comecei desde cedo a ter cadernos de anotações, contar nem que seja ao papel sentimentos que não consigo explicar, notas sobre algo que pensei, coisas para comprar, planos que nunca deram certo. Escrevo não necessariamente por ser boa escritora, na verdade eu preciso disso, o papel nunca me respondeu, eu uso ele como quero o que não se pode esperar da experiência de se abrir para outras pessoas, eles sempre querem tentar me entender e é cada vez mais difícil de me explicar.
Quando você me deixou em sua casa com a porta entreaberta, você não foi atrás de outra mulher e sim da única coisa que considera ser sua, suas drogas. Me senti patética, com os nervos a flor da pele transbordando, ali me encontrava sozinha longe de casa, sem dinheiro, sem família, sem ombro amigo, essas coisas que as pessoas pensam que estão fazendo por amor e acabam na merda. No momento só tive uma única reação quase que instintiva, abri o bloco de notas e comecei a digitar como se alguém realmente fosse me ler e não demorou muito você me volta com o nariz entupido e o rostinho com aquela expressão de criança arrependida,  já havia se passado horas quando minhas lágrimas secaram por si só, tinha escrito tudo que tinha de escrever, estava até sorrindo ligando para os amigos para contar a boa notícia de que te deixei pra sempre e dessa vez pra valer. No dia seguinte arrumei todas as minhas coisas em uma bolsa de pano, me despedi de cada canto da sua casa como quem deixa flores em um túmulo, não te dei um beijo de adeus, na verdade mandei meu veredito via mensagem de texto e você me respondeu com uma indiferença certeira. No momento foi difícil acreditar na sua reação, mas você foi ríspido como uma cigana que é capaz de prever o futuro só pela a palma das mãos de alguém, indiferente você de prontidão já escondeu outro par dos meus brincos em um de seus armários gigantes e vazios só para ter a certeza de que eu teria algo pra buscar, alguma desculpa para voltar. Como quem joga uma maldição você nem se despediu, parece que sabia que eu voltaria e de fato me senti amaldiçoada.
Dias depois na primeira oportunidade sai para sentir o ar da noite, corri de uma festa, caminhei quarenta minutos pela madrugada afora me senti uma criatura indefesa fugindo de qualquer espécie de predador, andei pelas ruas como se soubesse exatamente onde ir e a verdade é que eu não sei, não sei o que fazer da minha vida e enquanto não tenho certeza as oportunidades passam diante dos meus olhos. Eu ando pela cidade como se estivesse tentando procurar em uma nova esquina algo que não consigo encontrar dentro de mim mesma, não tenho mais pra onde ir nessas horas, só posso abrir um papel em branco e escrever. Meus amigos dizem que sou impulsiva, minha família se preocupa com questões de futuro e estabilidade, alguns acham que uso drogas, todos acham que sou louca mas eu não tenho uma muleta sequer para me ajudar a não ser usar palavras e textos a meu favor.
Na maioria do tempo é tão desgastante e vazio que a solidão vira uma cela onde permaneço presa dentro da minha própria cabeça, nessas horas eu vou para bares e tomo duas ou três bebidas enquanto observo outras pessoas, outras vidas com outros problemas e outros vícios a não ser o meu. Em uma dessas esquinas eu te encontrei, pra falar a verdade não sei por que gostei de você, apesar das personalidades distintas, pensamentos turbulentos e direções opostas as vezes é bom sentar em silêncio e beber uma cerveja do lado de alguém tão fodido quanto a mim mesma. Sempre odiei escritores e suas manias estranhas de sempre escrever, mas não tenho mais nada no momento, já tentei drogas mais pesadas e elas só me deixam paranóica não me aliviam nem um pouco, é por isso que eu escrevo, já tentei bebidas, sexo, outras pessoas, comidas, mudanças, terapias e nada adiantou é por isso que eu escrevo.

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